Trono da Rainha Jinga, O

Sempre me espantou, dada a importância da África na formação do Brasil, a sua quase completa ausência, até faz pouco, da nossa literatura de criação ¾ da nossa poesia, do nosso romance, do nosso teatro, do nosso conto. Tudo se passava como se o negro, uma presença constante em nossa ficção, tivesse nascido no navio negreiro. Despido de passado e de cultura. Pura personagem brasileira. Quase nunca africano. Contam-se pelos dedos os romances nos quais as praias da África se encostam às brasileiras, e nesse grupo destaca-se este O trono da rainha Jinga, de Alberto Mussa. Confesso o entusiasmo com que fui até a sua última linha, e não só pela pureza e nitidez da prosa, mas pelo apego rigoroso ao que se tem por passado e que serve de alicerce ao que a imaginação teceu como enredo ¾ um interessantíssimo e emocionante enredo. Aposto que Mussa leu cuidadosamente os autores seiscentistas como Antônio de Oliveira Cadornega e Giovanni Antonio Cavazzi de Montecúcculo, para montar uma estória que começa na África, com a embaixada da futura rainha Jinga aos portugueses de Luanda, e continua entre os escravos no Brasil. Neste livro, as personagens negras pensam como africanos e se comportam como africanos. Como quando Jinga, diante da incompreensão de um branco a quem tentara explicar que readquirira a serenidade, ao passar, por meio de um despacho, a dor da perda de seu filho para uma outra pessoa, isto lhe disse: "Vossemecê não chega a ser estúpido. Mas tem mesmo cabeça de macaco." (E macacos eram todos os brancos, porque têm o corpo coberto de pêlos e os lábios finos.) O que era óbvio para um africano ¾ que o equilíbrio do mundo exigia que à felicidade e ao êxito de uma pessoa correspondesse a desgraça ou a tristeza de outra ¾ não entrava no entendimento de um europeu, mas é colhido em plenitude pelo romance de Mussa. As mulheres e os homens que ele traz até nós não estão apenas vestidos de congos, ambundos ou imbangalas, mas nos dizem ao ouvido os diferentes segredos que regem, para eles, a vida e o universo. E esta é uma das razões da beleza deste livro.
Editora: Record
ISBN: 9788501073273
Ano: 2007
Edição: 1
Número de páginas: 132
Acabamento: 
Brochura
Formato: Médio
Complemento da Edição: Nenhum


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